terça-feira, 30 de junho de 2009

Amor, Paixão, Sexo e Casamento

(30/06/09)

Amor, paixão, sexo e casamento. Quatro coisas absolutamente diferentes, que não possuem nenhuma relação real umas com as outras, obrigadas a coexistirem e conviverem acorrentadas umas às outras em eterno conflito. E porquê? Talvez por ser melhor complicar do que facilitar.
É claro que para a argumentação ficar clara cabe, antes de mais nada definirmos o que cada uma daquelas “entidades” significa.

O amor
Comecemos, então com aquele que é, provavelmente, o mais difícil de definir entre os quatro: o Amor. E porque seria ele o de mais difícil difínição? Simplesmente porque todo mundo sabe com “absoluta certeza” o que é o amor, já que ele é cantado em prosa e verso pelos quatro cantos do planeta, porém de forma totalmente equivocada. É só ligar o rádio em qualquer emissora que lá está ele, contado sob a forma de uma história trágica onde “eu não existo longe de você”, o quanto eu sofro por você ter me deixado e como eu desejo que você me faça feliz.
É trágico, mas o ser humano adora o sofrimento! Mas isso é assunto para outra hora.
Assim, pensar que é possível sofrer por amor, que a ausência e a distância da pessoa amada é dolorosa e que a tristeza está associada a quem ama, é um sinal claro que a maioria absoluta das pessoas do planeta não faz a menor idéia do que seja verdadeiramente o amor.
Para começar, amor é um sentimento ou algo que se sente e que se sente por alguém. Mas o que é sentido quando se ama? Se sente afeição, carinho e afeto, um desejo incondicional de querer o bem, de querer a felicidade do “objeto” amado. E devo destacar aqui um ponto fundamental: querer o bem para o ser amado.
E é neste ponto que reside a diferença entre o senso comum e o amor de verdade. Amor é suave, é brando, é calmo, é singelo, é sereno, independe da distância e do tempo e, mais importante, independe de retribuição, já que é algo que emana daquele que ama, em direção ao ser amado. Não exige contrapartida, é unilateral e só depende daquele que ama.
O amor pode ter diversos alvos, mas a origem é sempre a mesma: o ser que ama. Desta forma frases como “amor entre homem e mulher” e “amor de mãe” perdem completamente o sentido. O amor é um só, independente de quem é amado: se é o filho, os pais, a esposa, o amigo ou a vizinha, o amor é sempre o mesmo, tem sempre a mesma origem e não depende do gênero, se masculino ou feminino, do ente amado.
Todas estas características fazem do amor um sentimento único, muito estável e de uma placidez sem par, não sujeito à variações súbitas e abruptas. Em resumo, é um “saco”.
E é este o motivo provável pelo qual o amor é confundido com emoções mais fortes e avassaladoras, como insegurança, ciúmes, falta de auto-estima, dor-de-cotovelo, possessividade, egoísmo e incontinência urinária, dentre outros. Ah sim, é claro, também é muito confundido com o nosso próximo item da lista: a paixão.

A paixão
Ah, a paixão. Esta sim é intensa, vigorosa, estremecedora. Assim como o amor ela é um sentimento, mas é desencadeado pelo fascínio que uma pessoa exerce sobre a outra. Este fascínio é decorrência da idealização que uma das pessoas cria sobre a outra, muitas vezes em decorrência de outras carências pré-existentes, já citadas, como insegurança e falta de amor próprio, ou, em outras palavras, a “síndrome do príncipe/princesa encantada”.
Enxerga-se no outro tudo aquilo que é necessário para realizar a própria completude, a parte faltante de si, a “metade da laranja” e outras tolices do gênero. E, diferentemente do amor, a paixão encerra em si o desejo pelo outro, da proximidade, e é claro, a necessidade de ser correspondido, uma vez que experimentar da “existência completa” é mais viciante que qualquer outra droga conhecida.
Vive-se sonhando com o ente “amado”, fantasiando suas qualidades, em constante devaneio, completamente absorto no “êxtase de ser amado”. E viver neste estado de completude gera euforia, alegria, endorfina e serotonina suficientes para encher uma piscina. Por outro lado, sua privação gerará tristeza, melancolia e inspiração para toda sorte de músicas sertanejas.
Porém, por ser produto de uma ilusão, tem data de expiração. Com o tempo rompe-se o véu da idealização e dá-se de cara com uma pessoa real, de carne e osso, com milhares de defeitos e um milionésimo das virtudes com que se sonhara. Neste momento a paixão se esvai, e tenha certeza, ela se esvairá. O que sobra pode ser o embrião de algo que poderá se transformar em amor, ou algo mais mesquinho, como a possessividade, ou um sentimento de “antes mal acompanhado do que só”, ou uma das infinitas variações sobre o tema, ou, quem sabe, nem isso.
Quase ia me esquecendo, a paixão, por possuir embutido em si o desejo dirigido a outra pessoa, está, também, intimamente relacionada ao nosso próximo tópico: o sexo.

O sexo
Sobre o sexo, acredito não haver uma grande necessidade de definições. É o desejo pela cópula, de aliviar a tensão sexual, de dar vazão ao “tesão”, de chegar um orgasmo, ou algo próximo disto.
Não há dependência a nenhum outro fator. É sempre casual: homem vê mulher, mulher vê homem, atração inexplicável e “bang”. Claro que se estiver vinculado à paixão, melhor, mas atire a primeira pedra aquele que nunca teve um desejo mais que secreto de fazer sexo com um completo desconhecido que viu passar pela rua?
Sexo é uma energia, é a pulsão que nos compele ao prazer, normalmente vinculado aos genitais, mas não necessariamente. E irá nos motivar a alcançar a satisfação imediata, quer estejamos acompanhados ou sós.
Desta forma, como uma espécie de antítese do amor, sexo tem como alvo a satisfação do próprio sujeito, independentemente do “objeto” que originará tal satisfação. Tanto o amor quanto o sexo são unidirecionais, porém, enquanto o amor encontra satisfação emanando de dentro para fora, sexo satisfaz-se de fora para dentro.

O casamento
Para fins desta discussão, casamento deve ser definido em um sentido mais amplo, onde envolve qualquer título dado a relacionamentos, como namoro, noivado, amasiamento, amancebamento, concubinato, todas as demais relações estáveis existentes no imenso rol, e é claro, o casamento propriamente dito.
Desta forma casamento, no sentido amplo da palavra, é a forma com que um casal dá à sociedade satisfações sobre a sua situação e relação íntima. É um título social, assumido publicamente para fins de rotulagem, ordenação e classificação das relações entre duas pessoas, decorrendo deste status conseqüências legais, sociais e religiosas.
É algo que não tem intercorrência direta nenhuma sobre o relacionamento, servindo apenas aos propósitos das convenções sociais. É, pois, um contrato, onde uma das cláusulas é a permissão da relação sexual entre os contratantes.
É uma forma de conter disputas sexuais inevitáveis entre pretendentes rivais, onde o primeiro a chegar estabelece o seu direito sobre a propriedade, dando-lhe respaldo legal para as sanções cabíveis contra o desafeto. É a garantia de direitos de junção de posses e partilha da propriedade comum ao casal. Do estabelecimento de tratados de paz e união de clãs e famílias. De envolver possíveis desafetos sob os laços de uma nova unidade familiar artificial.
Enfim, é uma convenção social, originada na sociedade, para a sociedade e visando o bem da sociedade, mas que muitas vezes está tão profundamente arraigada na coletividade que fica fácil confundi-la com algo necessário a um relacionamento.




Podemos assim observar que o ideal do amor romântico atualmente em voga nos impõe que estas quatro entidades andem juntas, apesar de antagônicas: pessoas tem que se casar com a pessoa que ama, permanecer a vida toda por ela apaixonada, ou re-apaixonar-se continuamente e prometer nunca mais ter relações sexuais com outras pessoas. Em suma, algo que, evidentemente, está fadado ao fracasso. E os pontos de atrito são bastante óbvios.
Amar não significa estar apaixonado, e, como conseqüência, também não significa querer proximidade e contato. Sei o quanto é polêmico afirmar isso, mas é possível amar uma ex-namorada, ex-marido, ou ex-qualquer-coisa, dedicar-lhe amor, sem que isso seja motivo para despertar ciúmes na pessoa com quem nos relacionamos hoje. Este amor é exatamente o mesmo amor que dedicamos a um irmão ou irmã, ou a um filho.
Por outro lado, amar uma pessoa não significa não poder apaixonar-se por outra. Sempre amaremos uma certa quantidade de pessoas durante nossa vida e nem por isso deixamos de nos apaixonar e de desejar outras pessoas. O que nos remete a algo ainda mais polêmico, que é desejar sexualmente outra pessoa.
Limitar a quantidade de parceiros sexuais àqueles que nos apaixonamos já é difícil. Impor tal limitação à somente aqueles que amamos é impossível e os resultados disso são traição, desilusão e mágoa.
A cultura que nos é imposta faz parecer natural vincularmos paixão, amor, casamento e sexo, porém a prática demonstra exatamente o contrário. Juras de amor, votos de fidelidade e declarações apaixonadas são lançadas ao ar todos os dias pelas mesmas pessoas que tempos depois estarão “traindo” seus consortes.
Trair significa quebrar um pacto previamente estabelecido. Mas em última análise a única pessoa que realmente sofre uma traição é aquela que estabelece para si um pacto que não poderá cumprir.

Talvez fosse muito mais saudável e sincero admitir a verdadeira natureza humana e parar de imaginar situações utópicas nas quais as pessoas conseguiriam seguir convenções somente pelo fato delas existirem. Seriam poupadas muitas dores, desilusões, tristezas e lenços de papel.